Na crise, gigantes como Apple, Google e Facebook expandem atuação

Sara Winchester
Sara Winchester
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Em meio à hecatombe que atingiu a economia global com a pandemia de Covid-19, não deixam de impressionar a força e a vitalidade que os gigantes da tecnologia vêm mostrando durante a crise, mesmo considerando-se que pessoas em todo o planeta têm usado como nunca seus serviços. Enquanto CEOs dividem seu tempo entre implorar dinheiro dos governos para não ir à bancarrota e decidir quantos empregos vão cortar, o dono da Amazon, Jeff Bezos, anunciou que a empresa fez 175 000 contratações só em março e espera lucrar mais de 6,5 bilhões no primeiro semestre do ano. Facebook, Apple e Microsoft também apresentaram uma saúde financeira notável em plena pandemia. Mas mais importante que o lucro de hoje é o que fazer com ele amanhã: as chamadas big techs, todas com valor de mercado na casa de 1 trilhão de dólares, querem fincar raízes em áreas cruciais como saúde, educação e defesa. “Elas não têm tantas opções para onde crescer, e há muita gente querendo justamente seu desmembramento em empresas menores”, afirma Scott Galloway, autor do livro Os Quatro: Apple, Amazon, Facebook e Google, o Segredo dos Gigantes da Tecnologia. “Essas companhias não podem se contentar em caçar ratos. Elas precisam capturar elefantes.”

Falta de consenso entre as autoridades e comportamento de risco da população transforma o isolamento numa bagunça. Leia nesta ediçãoReprodução/VEJA

E atrás dos elefantes elas vão. Sob a orientação de Bill Gates, que deixou o dia a dia da empresa mas segue sendo seu maior acionista, a Microsoft havia criado em janeiro a iniciativa AI for Health (AI para a Saúde, em português), com foco no uso de inteligência artificial no setor. Com a expansão da pandemia, o projeto foi rapidamente alinhado ao esforço pela busca de uma vacina contra o coronavírus. O Facebook contribui para a mitigação dos efeitos da crise sanitária global com seu projeto Data for Good (Dados para o Bem, em português). Apple e Google estão trabalhando no desenvolvimento de um sistema para o rastreamento de pacientes infectados. Cientes do receio de governos e cidadãos pela quebra da privacidade (veja a reportagem na pág. 72), já anunciaram que não se valerão de GPS, mas do uso anônimo do Bluetooth dos smartphones.

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O desejo do Google e da Apple de se estabelecer no ramo de saúde é antigo. O gigante das buscas na internet toca um projeto chamado Nightingale, em parceria com um dos maiores planos de saúde americanos, para procurar padrões e tendências — e, é claro, oportunidades de negócio — nos dados dos pacientes. E, para não depender apenas de informações repassadas por terceiros, comprou em novembro último — por 2,1 bilhões de dólares — a Fitbit, pioneira na produção dos relógios inteligentes que medem a atividade física, batimentos cardíacos e a qualidade do sono. O mamute fundado por Steve Jobs, por sua vez, já se protege da perda de lucratividade no mercado de smartphones justamente com seu Apple Watch. “Se, no futuro, alguém se perguntar qual a maior contribuição da Apple para a humanidade, dirá que foi no campo da saúde”, afirmou recentemente em entrevista o presidente da empresa, Tim Cook.

No campo da educação, o Google trava com a Microsoft uma corrida pela massificação do ensino a distância por meio da internet. A empresa sediada em Mountain View, de Larry Page e Sergey Brin, porém, está à frente da rival nessa disputa que se estende por todo o planeta. O Google Classroom (Google Sala de Aula, no Brasil), sistema para criar, distribuir e avaliar conteúdo didático para os alunos, dobrou seu número de usuários, de 50 milhões para 100 milhões, entre março e abril, em um efeito decorrente do isolamento social imposto pela Covid-19.
Dado seu tamanho, dificilmente as big techs são desafiadas por concorrentes. Em meio a quarentenas e lockdowns por todo o mundo, o Zoom, aplicativo que permite a realização de videoconferências com várias pessoas ao mesmo tempo, conseguiu uma rara brecha ao se popularizar da noite para o dia. O feito entretanto não durou muito tempo. O Facebook já lançou o Messenger Rooms para avançar sobre esse mercado, oferecendo mais robustez e confiabilidade na conexão. Google e Microsoft, por sua vez, deixaram de cobrar pelo uso de suas ferramentas de videoconferência Meet e Teams.

Medir as empresas de tecnologia pela régua das quatro big techs é um erro, e se ilude quem busca uma fórmula para apontar quem tem mais chance de ir bem ou mal na atual debacle. Uma hipótese é que os serviços 100% digitais têm melhor performance que os de companhias com um pé no mundo físico. Isso explicaria por que a Netflix dobrou sua base de usuários em apenas dois meses, enquanto Airbnb e Uber perderam o chão. O raciocínio desmonta com a Tesla. Ainda são questionáveis os motivos que levaram a empresa de automóveis elétricos a ter uma valorização surpreendente — o.k., estamos em meio à queda no preço do petróleo, mas mesmo assim… Tanto que até seu excêntrico fundador, Elon Musk, tuitou que as ações estavam sobrevalorizadas. Obviamente, o ataque de sincericídio derrubou o valor dos papéis em 10%. E comprovou que, embora o Vale do Silício seja pródigo em indicar para onde o mundo vai no futuro, seus gênios às vezes passam do ponto.

Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686

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