Menos gente, mais espaço: como serão os escritórios depois da pandemia

Sara Winchester
Sara Winchester
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Depois de cinco meses e dois lemas — “Fique em casa” e “Vai passar” —, o surto de Covid-19 já não é visto “apenas”, com todas as aspas possíveis, como um caso de saúde pública mundial. Ao contaminar incontáveis setores da sociedade, a pandemia ganhou uma dimensão impensável: a de bússola do futuro daqueles mesmos segmentos que infectou.

Seus impactos têm forjado “um experimento social gigantesco”, como bem definiu Darcy Ortiz, vice-presidente de serviços corporativos da empresa Intel, peso-pesado que atua na área de tecnologia, ao se referir a um campo particularmente sensível ao novo coronavírus: o mundo do trabalho. Para além de devastar empregos, a doença mexeu, e seguirá mexendo, com aqueles que conseguiram manter seus postos. Isso, em duas frentes. Milhões de trabalhadores de todo o planeta foram levados ao regime de home office desde o advento da quarentena. Na terça-feira 12, o Twitter avisou que quem preferir, e se a ocupação permitir, poderá seguir no modelo para sempre. Google e Facebook prolongaram o expediente remoto até 2021.

Por outro lado, nos países asiáticos e europeus que ensaiam o fim do confinamento, quem voltar ao batente nos escritórios das companhias encontrará tudo muito diferente — em alguns casos, isso até já começou — e com a perspectiva de mudar ainda mais.

Diante das ameaças de contágio, algumas das providências podem começar logo na entrada dos prédios das empresas — como a tomada de temperatura de cada funcionário. Na sequência, ele certamente esperará mais tempo pelo elevador, que atenderá um reduzido número de pessoas por vez, e indicará seu andar por meio de comando de voz. Ao chegar a seu destino — e depois de se certificar que não, não desceu em andar errado —, o empregado deverá deparar com estações de trabalho mais distantes umas das outras (cerca de 2 metros). E, à guisa de boas-vindas, haverá na sua mesa um kit com máscara e álcool em gel (assim foram recepcionados, por exemplo, em seu regresso, os funcionários da sede da HP em Wuhan, a cidade chinesa onde tudo começou).

A retirada de portas nos ambientes que levam aos banheiros, como forma de evitar a contaminação por meio de maçanetas; a troca de móveis de madeira por outros de material mais fácil de limpar; o alargamento dos corredores; e o fechamento de espaços como cafeterias são também medidas que vêm sendo estudadas.

Há outras estratégias no horizonte. O Interpublic Group of Companies, do setor de propaganda, está considerando dividir seus mais de 20 000 empregados nos EUA em três grupos, cada qual retornando ao escritório em épocas diferentes: o dos que já foram imunizados; o dos que não são imunizados, porém não fazem parte do grupo de risco; e o dos idosos, fumantes e portadores de doenças crônicas.

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Como não poderia deixar de ser, entretanto, a parte mais revolucionária das mudanças que estão por vir nos escritórios de trabalho utilizará as novas tecnologias. Exemplo disso é um aplicativo desenvolvido pela PricewaterhouseCoopers. A ferramenta, que deve ser lançada ainda neste mês, rastreia a distância entre indivíduos por meio do sinal de wi-fi ou Bluetooth e detecta o instante em que alguém chega perto demais de outra pessoa — o que, em tese, poderia representar uma situação de risco de contágio. De acordo com a PwC, mais de cinquenta companhias já se mostraram interessadas no aplicativo.

Outro uso de recursos tecnológicos sofisticados será a instalação de câmeras com scanners térmicos que medirão a temperatura dos funcionários nas próprias estações de trabalho. Identificado o indivíduo febril, ele será convocado pelo superior hierárquico e encaminhado para atendimento médico. O banco Goldman Sachs anunciou que está avaliando comprar câmeras térmicas para alguns escritórios, além de conjuntos de testes de anticorpos relativos à Covid-19.

A adoção de tecnologias dessa natureza trazem consigo um temor: o da segurança de dados. Uma vez tendo coletado, por meios digitais, essas e outras informações sobre os empregados, as empresas não poderiam utilizá-las para outros fins, distintos daqueles que tiveram sinal verde de cada pessoa? Mais do que isso, passados os riscos de surto epidêmico, as companhias desmontariam as estruturas de monitoramento implantadas nos escritórios? Para Kalinka Castelo Branco, professora de computação da USP e especialista em segurança digital, a implementação dessas tecnologias é uma grande preocupação — inclusive no Brasil. “A partir do momento em que se começam a levantar informações pessoais, elas podem ser associadas a outros dados, públicos, e ser usadas para tomar decisões que desconhecemos”, diz ela. O que fazer? “Com as leis atuais, poderíamos multar empresas que não destruíssem as informações coletadas ou que as vendessem de forma indevida”, explica Kalinka. Segundo a professora, ao perceber a utilização indevida de dados pessoais, o correto é entrar e processar a companhia, com base nos direitos constitucionais e prerrogativas do Marco Civil da Internet.

Se o futuro dos escritórios no pós-­pandemia — e, em parte, o presente deles em meio ao surto também — embute aspectos preocupantes, vale lembrar que essa não é a primeira e com certeza não será a última revolução pela qual passam os ambientes de trabalho na era contemporânea. Tome-se a década de 60, representada pela série de TV Mad Men. Naquele período, os funcionários trabalhavam próximos; todo o cenário era invadido pela fumaça intensa de cigarros e afins, e mulheres, quando havia, eram somente secretárias. Os anos 1990 trouxeram o desenvolvimento da internet, dos disquetes, dos telefones celulares — e escritórios mais abertos, convidativos. Foi também a época em que o código de vestimentas começou a afrouxar, permitindo o uso de roupas casuais, pelo menos em um dia da semana. Após o ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, fez-se necessário que os protocolos de segurança de prédios fossem ajustados à nova ordem, dominada pelo signo da segurança — afetando os edifícios comerciais e quem neles dava expediente.

A descontração viria a reboque da extraordinária valorização das empresas do Vale do Silício, centro global do desenvolvimento tecnológico. Elas trouxeram transformações, ainda nos anos 2000, para lá de revolucionárias em se tratando de locais de trabalho. Videogames, pebolins, paredões próprios para escalada e toda sorte de entretenimentos passaram a fazer parte do mobiliário dos escritórios, cujo layout remetia mais a um espaço de divertimento para adultos do que a um lugar em que se cumpre uma jornada profissional.

Com a propagação do novo coronavírus, já se sabe que nada será como antes também no mundo corporativo. E, sim, parece que se pode considerar um terceiro lema da era Covid-19: “o novo normal”. Bem-vindos ao novo normal dos escritórios — e bom trabalho.

Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

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