A prancha de surfe elétrica, um brinquedo caro

Sara Winchester
Sara Winchester
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“Hoje é sábado, amanhã é domingo. A vida vem em ondas, como o mar”, ensinou Vinicius de Moraes no imprescindível poema O Dia da Criação, de 1946. Lulu Santos daria uma pitada mais pop ao cantar, numa de suas mais adesivas baladas, com letra de Nelson Motta, que “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia; tudo passa, tudo sempre passará; a vida vem em ondas, como um mar, num indo e vindo infinito”. Assim será e, embora não saibamos exatamente como se dará o primeiro verão brasileiro depois da pandemia, é certo que novidades brotarão no horizonte, num indo e vindo infinito. No fim dos anos 1970, surgiram as pranchas de windsurfe, que em 1980 ganhariam a abertura da novela Água Viva. No início da década de 90 brotou o jet ski, a moto aquática que teve como garoto-propaganda o presidente Fernando Collor, viciado em se exibir esportivo, imbatível e valentão.

Agora, na temporada de 2020 e 2021, são grandes as chances de outro brinquedo despontar no litoral brasileiro: a prancha de surfe com hidrofólio elétrico — o hidrofólio é aquela chapa instalada no casco de uma embarcação para reduzir o balanço. Em inglês, e-foil, a traquitana, que já foi vista debaixo dos pés de Mark Zuckerberg no Havaí, viralizou nas redes sociais e, é claro, se alastrou pela Califórnia e virou mania. Cabe um alerta: é difícil que se espalhe como cardumes por aqui, dado o valor proibitivo — 12 000 dólares nos Estados Unidos, quase o dobro pelas bandas de cá, com as abusivas taxas de importação, ou algo em torno de 135 000 reais, o preço de um bom carro. Quem teria coragem de gastar tanto por tão pouco? Convém não desdenhar essa hipótese, porque a diversão entusiasma os mais bem aquinhoados, e às vezes não tem preço.

O e-foil é movido a bateria, tem autonomia de até uma hora e meia e chega a 40 quilômetros por hora (conheça outros detalhes no quadro ao lado). O usuário leva na mão um controle remoto para ligar e desligar o objeto, que pressupõe equilíbrio e destreza. É mais adequado a mares tranquilos, sem ondas imensas, e mesmo a rios de águas plácidas. VEJA pediu ao atual campeão mundial da WSL, a liga de surfe, o potiguar Ítalo Ferreira, que explicasse, com exclusividade, a sensação de passear num treco desses. “Eu achei um desafio. No primeiro momento não tinha certeza de que iria conseguir, então tentei por uma semana seguida e aí peguei o movimento do corpo e consegui me manter por um bom tempo na ondulação”, disse. “O legal é que você se diverte em qualquer lugar que tenha água, seja no mar, seja em lagos… Só que não é nada fácil!” Se não é fácil para quem é um casca-grossa como Ítalo, imagine para o comum dos mortais — o número 1 do mundo, naturalmente, quis imprimir na máquina os malabarismos e sua destreza no mar nervoso, e não é o que acontecerá com os navegantes de primeira viagem.

É bom, contudo, ir com calma — há riscos e usar o e-foil sem cautela pode ser perigoso. Outro problema é a bateria arriar no meio da andança. Não há ainda, mesmo nos Estados Unidos, uma legislação clara para o uso da invenção, embora se exija o registro legal, por ter motor. Mas é certo que alguma norma virá, e ela se estenderá ao Brasil, evidentemente. Os jet skis já existiam há mais de vinte anos antes de serem regulamentados, em 1999. Desde então, toda inovação tecnológica que circula em mares e rios, até as aparentemente inofensivas, é tratada com o necessário rigor pelas autoridades de segurança. “Mas é tão fascinante que não tardará a ganhar tração, apesar do altíssimo preço”, diz o brasiliense Luciano Raposo, representante da marca no Brasil. E, como o fim de semana está aí, muita gente nos Estados Unidos, num indo e vindo infinito, vai surfar as ondas a bordo do e-foil. “A incrível sensação de voar sobre a água e explorar novos cenários a partir de seu e-foil é o que torna nossa embarcação divertida”, diz Nick Leason, co-fundador da empresa Lift eFoil, de Porto Rico, um dos pioneiros de mares nunca antes navegados. “O e-foil também é silencioso, fácil de desmontar para armazenamento e de pouca manutenção. A única desvantagem é que é incrivelmente viciante.”

Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706

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