Covid-19: Farmacêuticas revelam documentos inéditos de testes de vacinas

Sara Winchester
Sara Winchester
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Em movimento inédito, três farmacêuticas na linha de frente da corrida para desenvolver vacinas contra o coronavírus divulgaram documentos com informações sobre os critérios de avaliação de seus imunizantes em testes. Na última quinta-feira, 17, o jornal americano The New York Times revelou detalhes dos estudos das empresas americanas Moderna e Pfizer, incluindo seleção e monitoramento dos participantes, condições sob as quais os testes poderiam ser interrompidos precocemente e evidências que serão usadas para determinar se o produto é capaz de prevenir contra a Covid-19.

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No sábado, 19, foi a vez do jornal americano divulgar o protocolo da britânica Astrazeneca. A iniciativa é uma tentativa de recuperar a confiança da população e de especialistas sobre a seriedade da condução da pesquisa clínica fase 3, que avalia a segurança e eficácia do produto.

O plano da AstraZeneca afirma que sua meta é entregar uma vacina com pelo menos 50% de eficácia. A taxa é o mínimo exigido pela FDA, agência americana que regula medicamentos, para aprovação de uma vacina contra o novo coronavírus. Para determinar essa taxa, é preciso esperar que 150 voluntários testem positivo para Covid-19. Mas uma análise preliminar será feita depois de apenas 75 casos. Se a eficácia já ficar comprovada na ocasião, a empresa poderá solicitar a autorização para uso emergencial.

Em seu protocolo, a Moderna determinou uma eficácia mínima de 60%. Para isso, são necessários 151 casos de Covid-19 entre os 30.000 participantes do estudo nos Estados Unidos. A empresa prevê duas análises preliminares, a primeira quando forem atingidos 53 casos e a segunda com 106.

Para determinar a mesma eficácia, a Pfizer precisa que 164 voluntários, dos 44.000 recrutados nos EUA, desenvolvam a doença. A gigante americana é a que tem o maior número de análises preliminares: quatro. A primeira será feita após apenas 32 casos.

O plano da Astrazeneca é considerado mais rigoroso do que o da Moderna e da Pfizer, de acordo com especialistas ouvidos pelo The New York Times, devido à quantidade de análises preliminares. A empresa britânica permite apenas uma análise provisória, antes de chegar até a quantidade de casos determinada para a avaliação da eficácia. Já a Moderna permite duas e a Pfizer, quatro. Segundo especialistas, a maior quantidade de análises pode levar a conclusões imprecisas.

Se na análise preliminar o produto for considerado extremamente eficaz ou um fracasso total, o estudo pode ser interrompido. O período transcorrido para chegar até essa quantidade de casos vai depender da trajetória da pandemia e da probabilidade de os participantes serem expostos ao vírus. Por isso, no Brasil, os testes estão focando em profissionais de saúde ou pessoas com alto risco de contágio.

Segundo informações divulgadas pela Bloomberg baseadas em uma estimativa da Airfinity Ltd., empresa de análises com sede em Londres que acompanha os testes de vacinas, a Pfizer pode alcançar o número de casos necessários para a primeira análise preliminar em 27 de setembro. Oficialmente, o plano da farmacêutica não estima uma data para a divulgação dos resultados, mas o CEO Albert Bourla disse inúmeras vezes que a empresa espera ter uma resposta em outubro.

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A Moderna é a única que incluiu um provável cronograma no documento divulgado. Mas não há datas específicas, apenas é estimado que a análise preliminar dos dados pode ser realizada até o final de dezembro. Recentemente, o CEO da empresa afirmou que espera essa análise em novembro.

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Segundo especialistas, todos os protocolos publicados têm uma característica preocupante: avaliação da eficácia considera casos leves de Covid-19 e não apenas moderados e graves, o que pode dificultar os esforços para determinar se a vacina é capaz de prevenir as formas mais perigosas da doença.

Ato raro

O compartilhamento destes protocolos durante a realização dos estudos é algo extremamente raro. Em geral, isso só acontece após a conclusão dos estudos. No entanto, o desenvolvimento científico durante a pandemia de coronavírus é uma sucessão de “primeiras vezes”. Em um comunicado ao NYT, a Pfizer disse que normalmente não divulga seus protocolos, mas acrescenta: “Reconhecemos, no entanto, que a pandemia de Covid-19 é uma circunstância única e a necessidade de transparência é clara”.

As divulgações têm como objetivo aumentar a confiança na rigorosa condução dos estudos clínicos que ficou abalada após o presidente Donald Trump insistir que haverá uma vacina antes das eleições e após a paralisação dos estudos clínicos da Astrazeneca devido a um evento adverso grave em um voluntário.

“Dado o impacto global sem precedentes da pandemia do coronavírus e a necessidade de disponibilizarmos informações públicas, divulgamos on-line o projeto detalhado e o protocolo para nosso ensaio clínico da AZD1222 nos EUA. Continuaremos o trabalho com colegas das demais indústrias para garantir uma abordagem consistente para o compartilhamento adequado de informações dos estudos clínicos em tempo hábil, sem comprometer a confidencialidade ou a integridade dos estudos”, disse a Astrazeneca em comunicado.

Os protocolos publicados são referentes aos estudos das três empresas nos Estados Unidos. Pfizer e Astrazeneca também estão conduzindo testes fase 3 no Brasil. Em comunicado, a Pfizer confirmou que “os endpoints, são os mesmos tanto para o Brasil quanto para os Estados Unidos, já que estamos falando do mesmo estudo de fase 2/3 que está sendo conduzido em diferentes localidades”. A Astrazeneca não se pronunciou sobre a questão.

A VEJA, a Anvisa disse que não existe definição rígida nas resoluções da agência sobre o parâmetro mínimo de eficácia para aprovação de uma vacina contra o novo coronavírus  e que “essas discussões serão consideradas quando houver a submissão de registro no Brasil de vacinas para a Covid-19”. Mas ressaltou que “tem discutido com agências reguladoras internacionais (incluindo EMA e FDA) os principais pontos críticos de análise e critérios para aceitação de vacinas” no âmbito da Coalizão Internacional de Autoridades Reguladoras de Medicamentos (ICMRA, na sigla em inglês).

Em relação à aprovação para uso emergencial, categoria na qual o uso da vacina deve ser aprovado nos EUA e na Europa, a Anvisa afirmou que “não há previsão para Autorização de Uso Emergencial para vacinas ou qualquer outro medicamento no Brasil”.

Pandemia no Brasil

Nesta terça-feira, 22, a média móvel de novas notificações da doença foi de 29.905,9 e a de novos óbitos de 712,7. A média móvel semanal é calculada a partir da soma do número de casos e mortes nos últimos sete dias, dividida por sete, número de dias do período contabilizado – o que permite uma melhor avaliação ao anular variações diárias no registro e envio de dados pelos órgãos públicos de saúde, problema que ocorre principalmente aos finais de semana.

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