A obesidade em seus dias derradeiros

Sara Winchester
Sara Winchester
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Apesar da notória falibilidade de modelos terapêuticos para sobrepeso e obesidade que envolvam apenas mudanças comportamentais e dietas restritivas, durante muito tempo pareceu mais fácil condenar sumariamente os tratamentos clínicos ou cirúrgicos ao invés de procurar suas melhores versões. O discurso tem sido modificado ao tempo que os custos com as doenças resultantes do ganho ponderal condenam frequentemente gestões de saúde pública e privada à insolvência.

Gêneros alimentícios modificados (e modificantes), somados ao sedentarismo, parece ser a receita que encaminha a maior parte dos sete bilhões de seres humanos ao excesso de peso.

Muitos governos criam projetos de orientação alimentar desestimulando o consumo de comestíveis industrializados, compreendendo que a perda arrecadatória dessa comercialização será bastante recompensada pelo decréscimo de doenças crônicas, geradas ou não pelo ganho ponderal. Por outro lado, campanhas encorajando a prática de exercícios físicos são cada vez mais frequentes. Contudo, se a correção desses desvios nos protege do ganho de peso, não o trata.

Em um processo que guarda semelhança de lógica ao que vimos com a indústria do tabaco, vê-se inúmeras ações de serviços de saúde pública e privada buscando intervenções clínicas convincentes no tratamento do sobrepeso e obesidade. A indústria farmacêutica, evidentemente, não passa ao largo deste movimento e algumas empresas desempenham especial papel nesta procura.

Curiosamente, os fármacos mais promissores nesse objetivo são cópias quase exatas de uma substância produzida fisiologicamente pelas células da parede intestinal durante o processo absortivo dos nutrientes, o Glucagon-like peptide*-1 (GLP-1).

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Com vida média de 2 a 3 minutos, o GLP-1 participa do mais importante eixo fisiológico na conclusão do consumo alimentar, enquanto possui ação crucial na fisiologia pancreática, estimulando a produção de insulina na dimensão que os níveis glicêmicos se apresentem, ao tempo que suprime a produção do glucagon, hormônio hiperglicemiante produzido neste órgão. Os bons níveis de GLP-1 protegem as células produtoras de insulina, assim como provavelmente restauram a função daquelas a caminho do exaurimento.

Análogos de GLP-1 estão sendo desenvolvidos há aproximadamente duas décadas pelas indústrias de medicamentos, inicialmente para o Diabetes tipo 2, mas não demoraria o reconhecimento de seu enorme potencial para o tratamento da obesidade e sobrepeso.

As pesquisas utilizando um análogo de GLP-1, a Semaglutida (Ozempic), lançado oficialmente no Brasil em 04 de maio de 2019 para o tratamento de Diabetes tipo 2, já prospectavam expectativas fabulosas no tratamento clínico para obesidade e sobrepeso, mas agora, é muito provável que estejamos às portas de uma realidade inimaginável em passado recente.

O STEP (Semaglutide Treatment Effect in People with obesity) – Efeitos do Tratamento com Semaglutida em Pacientes com Obesidade – é o estudo clínico tutelado pela farmacêutica detentora da patente, desenvolvido em cinco ramos, dos quais quatro deles tiveram a duração de 68 semanas, enquanto o mais longo ainda está em curso e contemplará 24 meses (pouco mais que104 semanas).

Idealizado para avaliar os efeitos da Semaglutida quanto a eficácia, segurança e tolerabilidade no tratamento de adultos com obesidade ou sobrepeso, o STEP obedece integralmente às determinações no cumprimento dos protocolos que credenciarão a Semaglutida a pleitear sua autorização de comércio. O medicamento já tem sua aprovação para o tratamento de Diabetes na prescrição de 1 mg por injeção subcutânea uma vez por semana, no que promove excepcional emagrecimento no paciente diabético, entretanto, na maior parte do STEP este fármaco é utilizado também a cada sete dias na dose de 2,4 mg.

Uma pesquisa clínica que pretenda avaliar a segurança da utilização de um pretenso fármaco no tratamento de determinada patologia percorre 3 fases até que obtenha, ou não, a permissão das autoridades sanitárias para ser comercializado. Uma quarta fase, conhecida como farmacovigilância, é mantida por tempo indeterminado na observação de efeitos não encontrados durante as fases pré-comercialização.

O STEP teve concluído a fase 3 em quatro de seus cinco ramos, aqueles com duração de 68 semanas, e os seus resultados foram apresentados no Congresso Europeu de Diabetes deste ano, promovido pela European Association for the Study of Diabetes (EASD) – Associação Europeia para o Estudo da Diabetes. Com uma média de emagrecimento de 16 %, enquanto 90 % diminuiu ao menos 5 % do peso inicial, a Semaglutida já é a droga estudada com os resultados mais extraordinários já encontrados no tratamento de sobrepeso e obesidade.

Embora tenhamos que aguardar algum tempo, nada sugere que haverá impedimento para que este medicamento encontre seu lugar em nossa farmacopeia, por outro lado, a Semaglutida não se estabelecerá como alternativa inequívoca para substituir as cirurgias bariátricas. Mas, ainda que não tenhamos resolvido as causas, aparentemente falta pouco para que a obesidade ganhe o destino das úlceras pépticas, trocando o bisturi (e o sofrimento) pelos medicamentos.

<span class="hidden">–</span>Ricardo Matsukawa/VEJA.com
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