Caso Backer: Justiça recebe denúncia contra 11 pessoas, incluindo três sócios da cervejaria

Sara Winchester
Sara Winchester
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O juiz da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Haroldo André Toscano de Oliveira, recebeu denúncia contra 11 sócios e funcionários da Cervejaria Três Lobos Ltda., razão social da Cervejaria Backer, investigada pela morte de 10 pessoas por intoxicação por dietilenoglicol. Três sócios-proprietários da empresa, Ana Paula Silva Lebbos, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos, foram denunciados pela prática dos crimes de envolvimento na adulteração de bebidas alcoólicas, perigo comum e crimes tipificados no Código de Defesa do Consumidor. Sete engenheiros e técnicos encarregados da fabricação de cerveja e chope foram denunciados pelos crimes de lesão corporal grave e gravíssima, homicídio culposo, além dos crimes imputados aos sócios.

Além disso, o juiz recebeu a denúncia contra uma pessoa que, em fase policial, prestou informações incorretas. O falso testemunho foi motivado por desacordo trabalhista com o empregador do acusado, a Imperquímica, empresa que fornecia insumos para a Backer, entre eles a substância monoetilenoglicol. Ao receber a denúncia, o juiz ainda suspendeu a decisão que decretou o sigilo do processo. A próxima etapa é receber a defesa dos acusados por escrito, após a respectiva citação dos denunciados.

Denúncia

De acordo com a denúncia, oferecida pelo Ministério Público (MP), os crimes ocorreram no período compreendido entre o início de 2018 e 9 de janeiro de 2020, por ter sido utilizada em excesso a substância monoetilenoglicol, um anticongelante, na fabricação das bebidas alcoólicas. Segundo o documento, a Backer iniciou a compra excessiva do produto em 2018, sendo que pelo menos duas vítimas teriam sofrido da síndrome nefroneural naquele ano, conforme prova pericial. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), tanto o monoetilenoglicol quanto o dietilenoglicol são substâncias tóxicas para humanos, por ingestão, inalação ou absorção pela pele, não sendo adequadas para serem utilizadas em alimentos.

Foi constatada pelo Mapa a contaminação de 36 lotes, em diversas marcas produzidas pela cervejaria, não só na cerveja Belorizontina/Capixaba, durante um período de quase dois anos, o que demonstra, para o MP, “que os sócios-proprietários se preocupavam apenas com os lucros advindos da atividade comercial, desprezando o controle de qualidade do produto que vendiam, tinham em depósito e distribuíam”. “Os sócios, por diversas razões, dentre elas, a suposição de maior eficiência do monoetilenoglicol, optaram por não obter a informação sobre as consequências da compra e uso desse produto tóxico, mantendo-se, intencionalmente, em estado de incerteza, constituindo verdadeira cegueira intencional”, afirmou o MP.

Uso de substâncias tóxicas

De acordo com a denúncia, constatou-se a adulteração das bebidas alcoólicas por monoetilenoglicol e dietilenoglicol nas cervejas recolhidas na empresa e na planta fabril. Para o MP, o uso indevido dos produtos tóxicos aliado à precária condição de manutenção da linha de produção das bebidas alcoólicas causaram um dano irreparável à saúde pública (crime de perigo comum), 10 óbitos e 16 vítimas lesionadas de forma gravíssima, além de danos às suas famílias. De acordo com o Mapa, “embora o tanque JB-10 passe a estar envolvido, provavelmente desde sua instalação, nas contaminações subsequentes, nos meses de agosto de 2019 a janeiro de 2020, há outros tanques, que também passam a contaminar a cerveja”.

Portanto, “o consumo excessivo” da substância não ocorreu apenas durante a expansão da fábrica com a instalação desse tanque em agosto de 2019, conforme os autos. Identificou-se contaminação desde 2018 e até mesmo em fase anterior ao armazenamento nos tanques, isto é, na fase cozinha. Logo, a cronologia dos lotes contaminados inicia-se antes da instalação de um novo tanque. O inquérito policial concluiu que a contaminação ocorreu em algum estágio inicial da fabricação (cozinha) e no estágio intermediário dos tanques de fermentação, mesmo anteriormente à instalação do tanque JB-10.

Recall

Em janeiro de 2020, os sócios-proprietários receberam a determinação de realização de recall e proibição de venda de cervejas. No entanto, deixaram de comunicar aos consumidores a nocividade ou periculosidade de seus produtos e continuaram com a venda de lotes contaminados. Segundo o MP, os engenheiros e técnicos agiram com dolo eventual, ao produzirem bebida que sabiam poder estar adulterada. Para o MP, na condição de fabricantes da cerveja, não se preocuparam em observar o manual do fabricante do tanque, nem testaram a natureza do produto comprado para ser usado como anticongelante. “Assim, fabricaram bebidas alcoólicas, utilizando produto tóxico que poderia adulterá-las e envenenar consumidores, o que, efetivamente ocorreu.”

De acordo com o MP, não resta dúvida acerca da conexão entre os lotes da cerveja ingerida pelas vítimas, os tanques contaminados e os óbitos e lesões corporais sofridas. “As inúmeras vítimas fatais e que estão gravemente lesionadas ou com sequelas irreversíveis ingeriram, assim, produtos estes impróprios ao consumo humano”, afirmou. Ainda para o MP, “com a compra e uso desses produtos tóxicos, os sócios demonstraram ganância desmedida, ao colocarem em primeiro lugar o lucro da empresa, em detrimento de vidas humanas, assumindo o risco de adulteração do produto que vendiam”.

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